Uma (possível) nova revolução.
Técnica
mais simples, rápida, barata e eficiente permite a produção de
células-tronco a partir de células adultas de camundongos.
Resultados ainda precisam ser estudados em humanos, mas podem abrir
nova era de terapia regenerativa.
Por: Marcelo Garcia - Ciência Hoje (31/01/2014)
Figura 1:Embrião
de camundongo gerado a partir de células pluripotentes produzidas
por estresse. Nova metodologia pode revolucionar essa área de
pesquisa, se resultados futuros mostrarem ser possível aplicá-la em
humanos. (imagem: Haruko Obokata)
Parece
bom demais para ser verdade. Um grupo de pesquisadores liderados por
cientistas do Centro
Riken de Biologia do Desenvolvimento,
de Kobe, no Japão, desenvolveu uma nova técnica muito mais simples
e eficiente para obtenção de células-tronco pluripotentes (capazes
de se transformar em quase qualquer outra célula do organismo) a
partir de células adultas. Em vez de complicados procedimentos de
manipulação genética, a proposta da nova metodologia testada em
camundongos se baseia na simples exposição das células adultas a
situações ambientais estressantes – em especial sua imersão em
soluções com pH baixo. Se puder ser reproduzido em humanos, o
procedimento pode revolucionar a incipiente área de terapias com
células-tronco.
Chamado
de ‘aquisição de pluripotência desencadeada por estímulos’
(Stap, na sigla em inglês), o processo foi descrito hoje em dois
artigos na revista especializada Nature.
Em mais um desses casos de felizes coincidências que levam a grandes
avanços da ciência, a técnica nasceu quase do acaso – e da
capacidade de observação da pesquisadora Haruko Obokata, bióloga
do Centro Riken e uma das autoras do estudo. A ideia lhe ocorreu ao
observar que células comuns espremidas num tubo capilar encolhiam
para o tamanho de células-tronco.
Seu
grupo, então, submeteu diversos tipos de células de camundongos
recém-nascidos (linfócitos, células musculares, da pele e do
cérebro, por exemplo) a diferentes tipos de estresse, como alta
temperatura e excesso de cálcio. Os resultados mostraram que essa
exposição foi capaz de despertar a habilidade da célula adulta de
se transformar em célula pluripotente – o melhor resultado foi
obtido com a imersão em soluções moderadamente ácidas, com pH de
5,5. Para demonstrar o potencial das novas células-tronco, os
pesquisadores as injetaram em embriões de camundongos e observaram
sua multiplicação e diferenciação em diversos tipos de tecidos e
órgãos.
Mais Rápida, Barata e Eficiente
O
estudo com células-tronco é uma das áreas mais promissoras da
medicina e sua utilização pode levar, por exemplo, ao
desenvolvimento de terapias regenerativas e de órgãos para
transplantes. Hoje, as células-tronco mais usadas em pesquisas são
as de pluripotência induzida, ou iPS, também obtidas a partir da
reprogramação de células adultas. No entanto, nesse caso, a
reprogramação envolve o emprego de um vírus para inserir
fragmentos de DNA na célula adulta, que a induzem a voltar ao
estágio não-diferenciado de célula-tronco. Desenvolvida em 2006, a
técnica já é utilizada em todo o mundo e seu idealizador, Shinya
Yamanaka, recebeu, inclusive, o prêmio Nobel de Medicina ou
Fisiologia de 2012.
Figura 2: Células-tronco
IPS produzidas a partir de fibroblastos humanos. A técnica de
reprogramação celular é a mais usada hoje nos estudos da área.
(foto: James Thomson/ University of Wisconsin-Madison)
O
novo procedimento, se puder ser aplicado em humanos, teria muitas
vantagens em relação às células iPS, como avalia o biólogo
especializado em células-tronco e colunista
da Ciência
Hoje On-line,
Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em teoria,
seria mais seguro – por não necessitar da inserção de fragmentos
de DNA na célula reprogramada, evitando mutações indesejadas –,
além de mais simples e eficiente. “Um kit
para
reprogramação celular custa R$ 14 mil e o procedimento leva
semanas, com uma eficiência de 0,1%”, compara Rehen. “Se for
mesmo tudo o que promete, a técnica seria bem menos custosa e teria
uma eficiência de cerca de 30%.”
A
notícia foi recebida com entusiasmo pela comunidade científica
internacional. Em entrevista ao jornal britânico The
Guardian,
Dusko Ilic, especialista da King's College London, classificou o
estudo como “uma grande descoberta científica que irá abrir as
portas para uma nova era da biologia com células-tronco”. Também
ao Guardian,
Chris Mason, da University College London, reforçou: “Se funcionar
em seres humanos, essa pode ser a grande virada para tornar
disponível uma ampla gama de terapias celulares que utilizem como
base as células dos próprios pacientes”.
A conferir:
De
tão simples, a metodologia demorou para ser encarada com seriedade –
foi rejeitada por diversas revistas antes de divulgada na Nature.
“Infelizmente, nessa área já tivemos casos de estudos publicados
em grandes periódicos e, pouco tempo depois, a comprovação
de que eram fraudes”,
avalia Rehen. “Realmente me chamou a atenção a dificuldade dos
pesquisadores para publicar seus resultados e torço para que eles
sejam comprovados e possam ser reproduzidos em outros laboratórios”.
O
próprio brasileiro planeja reproduzir o experimento em seu
laboratório, onde hoje trabalha com células iPS. Apesar de animado,
Rehen lembra que esse ainda é um passo muito inicial da pesquisa e,
mesmo que funcione de fato, é preciso confirmar se a metodologia
poderia ser aplicada em células adultas humanas – o que Obokata já
vem fazendo, embora ainda sem resultados. “Se confirmado, o
comportamento pode aproximar as células humanas das dos vegetais,
que são capazes de regredir a estágios mais simples quando expostas
a situações de estresse,como
mostram estudos recentes”,
afirma Rehen.
Outras
questões também precisam ser mais bem estudadas – os cientistas
não sabem, por exemplo, por que as células do corpo não estão o
tempo todo se transformando em células-tronco quando entram em
contato com ácidos, ou bebem um suco de frutas, por exemplo. Além
disso, como as células Stap, diferentemente das células iPS, são
capazes de formar tecido placentário, sua utilização poderia
facilitar, no futuro, trabalhos de clonagem, como cogita Teruhiko
Wakayama, da Universidade de Yamanashi, no Japão,que colaborou com o estudo.
O
fato é que a descoberta é mais um grande passo numa área que está
em efervescência nos últimos anos e cria cada vez mais
possibilidades para o futuro. No ano passado, por exemplo, foi
anunciada a tão aguardada metodologia
de clonagem de embriões humanos,
uma possível alternativa às iPS para o desenvolvimento de terapias,
cujas possibilidades de aplicação talvez ainda seja cedo para
prever. Será que o novo método de Obokata poderá realmente
promover uma efetiva revolução na área? A conferir, em breve.
Fonte: http://www.lance-ufrj.org/textos.html
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